Adoptada e proclamada pela Assembleia Geral na sua Resolução 217-A (III), de 10 de Dezembro de 1948.
Publicada no Diário da República, I Série A, n.º 57/78, de 9 de Março de 1978, mediante aviso do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo; Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem conduziram a actos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do homem; Considerando que é essencial a protecção dos direitos do homem através de um regime de direito, para que o homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão; Considerando que é essencial encorajar o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações; Considerando que, na Carta, os povos das Nações Unidas proclamam, de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres e se declaram resolvidos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla; Considerando que os Estados membros se comprometeram a promover, em cooperação com a Organização das Nações Unidas, o respeito universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais; Considerando que uma concepção comum destes direitos e liberdades é da mais alta importância para dar plena satisfação a tal compromisso:
A Assembleia Geral
Proclama a presente Declaração Universal dos Direitos do Homem como ideal comum a atingir por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da sociedade, tendo-a constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensino e pela educação, por desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e por promover, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o seu reconhecimento e a sua aplicação universais e efectivos tanto entre as populações dos próprios Estados membros como entre as dos territórios colocados sob a sua jurisdição.
Artigo 1.º
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e < xml="true" ns="urn:schemas-microsoft-com:office:smarttags" prefix="st1" namespace="">em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.
Artigo 2.º
Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania.
Artigo 3.º
Todo o indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 4.º
Ninguém será mantido em escravatura ou em servidão; a escravatura e o trato dos escravos, sob todas as formas, são proibidos.
Artigo 5.º
Ninguém será submetido a tortura nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Artigo 6.º
Todos os indivíduos têm direito ao reconhecimento em todos os lugares da sua personalidade jurídica.
Artigo 7.º
Todos são iguais perante a lei e, sem distinção, têm direito a igual protecção da lei. Todos têm direito a protecção igual contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 8.º
Toda a pessoa tem direito a recurso efectivo para as jurisdições nacionais competentes contra os actos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela lei.
Artigo 9.º
Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo 10.º
Toda a pessoa tem direito, em plena igualdade, a que a sua causa seja equitativa e publicamente julgada por um tribunal independente e imparcial que decida dos seus direitos e obrigações ou das razões de qualquer acusação em matéria penal que contra ela seja deduzida.
Artigo 11.º
1. Toda a pessoa acusada de um acto delituoso presume-se inocente até que a sua culpabilidade fique legalmente provada no decurso de um processo público em que todas as garantias necessárias de defesa lhe sejam asseguradas.
2. Ninguém será condenado por acções ou omissões que, no momento da sua prática, não constituíam acto delituoso à face do direito interno ou internacional. Do mesmo modo, não será infligida pena mais grave do que a que era aplicável no momento em que o acto delituoso foi cometido.
Artigo 12.º
Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada, na sua família, no seu domicílio ou na sua correspondência, nem ataques à sua honra e reputação. Contra tais intromissões ou ataques toda a pessoa tem direito a protecção da lei.
Artigo 13.º
1. Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado.
2. Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país.
Artigo 14.º
1. Toda a pessoa sujeita a perseguição tem o direito de procurar e de beneficiar de asilo em outros países.
2. Este direito não pode, porém, ser invocado no caso de processo realmente existente por crime de direito comum ou por actividades contrárias aos fins e aos princípios das Nações Unidas.
Artigo 15.º
1. Todo o indivíduo tem direito a ter uma nacionalidade.
2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua nacionalidade nem do direito de mudar de nacionalidade.
Artigo 16.º
1. A partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de casar e de constituir família, sem restrição alguma de raça, nacionalidade ou religião. Durante o casamento e na altura da sua dissolução, ambos têm direitos iguais.
2. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos futuros esposos.
3. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à protecção desta e do Estado.
Artigo 17.º
1. Toda a pessoa, individual ou colectiva, tem direito à propriedade.
2. Ninguém pode ser arbitrariamente privado da sua propriedade.
Artigo 18.º
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.
Artigo 19.º
Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão.
Artigo 20.º
1. Toda a pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas.
2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo 21.º
1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte na direcção dos negócios públicos do seu país, quer directamente, quer por intermédio de representantes livremente escolhidos.
2. Toda a pessoa tem direito de acesso, em condições de igualdade, às funções públicas do seu país.
3. A vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos; e deve exprimir-se através de eleições honestas a realizar periodicamente por sufrágio universal e igual, com voto secreto ou segundo processo equivalente que salvaguarde a liberdade de voto.
Artigo 22.º
Toda a pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos económicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.
Artigo 23.º
1. Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalho, a condições equitativas e satisfatórias de trabalho e à protecção contra o desemprego.
2. Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.
3. Quem trabalha tem direito a uma remuneração equitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de protecção social.
4. Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.
Artigo 24.º
Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas.
Artigo 25.º
1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.
2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimónio, gozam da mesma protecção social.
Artigo 26.º
1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.
3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos
Artigo 27.º
1. Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam.
2. Todos têm direito à protecção dos interesses morais e materiais ligados a qualquer produção científica, literária ou artística da sua autoria.
Artigo 28.º
Toda a pessoa tem direito a que reine, no plano social e no plano internacional, uma ordem capaz de tornar plenamente efectivos os direitos e as liberdades enunciadas na presente Declaração.
Artigo 29.º
1. O indivíduo tem deveres para com a comunidade, fora da qual não é possível o livre e pleno desenvolvimento da sua personalidade.
2. No exercício deste direito e no gozo destas liberdades ninguém está sujeito senão às limitações estabelecidas pela lei com vista exclusivamente a promover o reconhecimento e o respeito dos direitos e liberdades dos outros e a fim de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar numa sociedade democrática.
3. Em caso algum estes direitos e liberdades poderão ser exercidos contrariamente aos fins e aos princípios das Nações Unidas.
Artigo 30.º
Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada de maneira a envolver para qualquer Estado, agrupamento ou indivíduo o direito de se entregar a alguma actividade ou de praticar algum acto destinado a destruir os direitos e liberdades aqui enunciados.
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Direitos Humanos
“O horror sentido em relação ao Holocausto marcou o momento em que a luta pelos direitos humanos passou a ser encarada como uma preocupação e uma responsabilidade universais (...)”
A Génese da Declaração dos Direitos Humanos
O mundo do pós-guerra
A II Guerra Mundial marcou o ponto de viragem decisivo na consciência dos direitos humanos e tornou clara a necessidade de uma acção internacional no sentido da sua definição e salvaguarda.
Os lentos progressos na definição e aplicação dos direitos humanos registados até aos anos 30 deste século foram simplesmente aniquilados pelo regime nazi. Começando por estabelecer leis discriminatórias relativamente ao acesso à propriedade, ao emprego e à educação, a barbárie nazi acabou por provocar uma guerra mundial e por levar a cabo o maior e mais sistemático processo de escravizacão e assassinato em massa que o Homem conheceu. No final da guerra, os campos de concentração e de extermínio tinham assassinado seis milhões de judeus, dos quais mais de um milhão de crianças com menos de dez anos. A odiosa teoria da superioridade rácica e a trágica consequência daí retirada da sua “purificação” conduziu a que a acção aniquiladora nazi se estendesse igualmente a outros grupos – ciganos, polacos, homossexuais, deficientes físicos e mentais, opositores políticos, prisioneiros de guerra soviéticos.
A aliança que se verificara a nível mundial para derrotar as potências do Eixo manteve-se após o final da guerra, quando a verdadeira dimensão das atrocidades cometidas foram conhecidas. O horror sentido em relação ao Holocausto marcou o momento em que a luta pelos direitos humanos passou a ser encarada como uma preocupação e uma responsabilidade universais, ao contrário do que se verificava antes da guerra, em que a responsabilidade pela protecção daqueles direitos era atribuída individualmente a cada Estado.
A Carta das Nações Unidas
Esta união dos países aliados no reconhecimento da necessidade de codificar os direitos humanos teve a sua primeira expressão na Carta das Nações Unidas, que lhes atribuiu um novo estatuto legal internacional. Para os representantes dos países que se reuniram na Conferência de S. Francisco em Abril de 1945 para constituírem as Nações Unidas era já claro que a manutenção da paz não passava apenas por definições de equilíbrios geopolíticos, mas que implicava igualmente compromissos em relação ao valor e dignidade da pessoa humana. O papel de numerosas organizações não-governamentais foi, contudo, determinante pela pressão exercida sobre as delegações no sentido de incorporar na Carta um compromisso explícito e substantivo para com os direitos humanos. Apesar de a proposta de inclusão de uma “Declaração dos Direitos Essenciais do Homem” não ter sido adoptada por necessitar de uma cuidada análise, na altura não possível de efectuar, a Carta expressou a intenção das Nações Unidas em preservar os direitos humanos quer por princípio quer pela prática. Assim, os direitos humanos foram mencionados em cinco momentos da Carta:
- no Preâmbulo, onde se identificam os direitos humanos como um dos fundamentos das Nações Unidas:
A reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas;
- no artigo 1.º, que declara que os Estados-membros se comprometem a:
Realizar a cooperação internacional, resolvendo os problemas internacionais de carácter económico, social, cultural ou humanitário, promovendo e estimulando o respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião;
- no artigo 55.º, que afirma que as Nações Unidas promoverão:
O respeito universal e efectivo dos direitos do homem e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
- no artigo 56.º:
Para a realização dos objectivos enumerados no artigo 55, todos os membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente
- no artigo 68.º, em que se estabeleceram os primeiros e decisivos passos para a protecção na prática dos direitos humanos:
O Conselho Económico e Social criará comissões para os assuntos económicos e sociais e para a protecção dos direitos do homem, assim como outras comissões necessárias ao desempenho das suas funções.
Deste artigo resultou a criação, no início de 1946, da Comissão dos Direitos Humanos, que passaria os três anos seguintes empenhada na redacção de vários documentos, entre os quais a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Redacção e Aprovação da DUDH
O árduo trabalho para o consenso
Em 1946, a Comissão dos Direitos Humanos empreendeu a tarefa de definir os direitos e liberdades fundamentais numa “Carta Internacional dos Direitos do Homem”, sob a direcção de Eleanor Roosevelt, viúva do Presidente dos EUA Franklin Roosevelt e activista em prol dos direitos humanos. Outros elementos desta Comissão desempenharam papéis determinantes:
René Cassin, da França
Charles Malik, do Líbano
Peng Chun Chang, da China
Hernan Santa Cruz, do Chile
Alexandre Bogomolov, da União Soviética
Alexei Pavlov, da União Soviética
Lord Dukeston, do Reino Unido
Geoffrey Wilson, do Reino Unido
William Hodgson, da Austrália
John Humphrey, do Canadá
Muitos mais contribuíram para a redacção da “Carta”, desde cidadãos de nove diferentes países a numerosas organizações não-governamentais.
Mas coube ao grupo de delegados da Comissão o trabalho, sem precedentes até aí, de identificar os direitos e liberdades que deveriam ser património de todos os seres humanos e por eles gozados individualmente daí para a frente.
À partida era necessário definir a natureza legal dessa Carta – uma declaração de princípios gerais, ou um acordo ou tratado legalmente vinculativo. Em face da divisão das opiniões a este respeito, vingou a posição de Eleanor Roosevelt que advogava a redacção de ambos. A “Carta Internacional dos Direitos Humanos” passou então a designar, desde a decisão da Comissão em 1947, o conjunto de documentos em fase de redacção. Contudo, a sequência dos trabalhos e das negociações focalizou-se sobretudo na Declaração, embora se tenham criado três grupos de trabalho, um para a Declaração, outro para o Acordo e um terceiro para as questões da entrada em vigor.
Uma primeira proposta foi finalizada em Dezembro de 1947 e apresentada aos Estados-membros para recolha de comentários. Com esse conjunto de materiais, a Comissão voltou ao trabalho, mas não teve tempo de prosseguir os documentos do pacto e da entrada em vigor. Apresentou uma versão revista da declaração em Junho de 1948 ao Conselho Económico e Social que, por sua vez, o apresentou à Assembleia Geral. O Terceiro Comité da Assembleia Geral efectuou um debate e uma análise exaustivos do texto da Declaração, através de 81 reuniões onde considerou 168 resoluções formais, e de 1400 votações sobre praticamente cada palavra de cada artigo.
A aprovação da DUDH
A 6 de Dezembro, o Terceiro Comité adoptou a declaração e enviou-a para a Assembleia Geral, onde, a 10 de Dezembro de 1948, teve lugar a votação após um longo e vivo debate.
Quarenta e oito nações votaram a favor da declaração, oito abstiveram-se – os países do bloco soviético, a África do Sul e a Arábia Saudita – e dois países estiveram ausentes. A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi aprovada como o primeiro dos instrumentos de promoção e salvaguarda dos direitos de todos e de cada ser humano. Pela primeira vez, o conjunto organizado das nações produzia um documento de defesa dos direitos e liberdades fundamentais e inalienáveis de todos os membros da família humana.
O significado da aprovação da DUDH
A magnitude do valor do trabalho efectuado pela Comissão tem vindo a impor-se nos últimos cinquenta anos. Apesar da Declaração não possuir a força vinculativa de um tratado, tem vindo progressivamente a registar uma adesão universal.
De um conjunto de valores e princípios morais partilhados pelos Estados-membros das Nações Unidas, a Declaração tem vindo a transformar-se num marco fundamental do Direito internacional, e a ser integrada como referência explícita nos textos constitucionais de um número cada vez maior de países. Desde a sua aprovação que os pactos, convenções e tratados efectuados sobre direitos humanos foram construídos sobre as suas fundações. Foi, igualmente, o ponto de viragem fundamental para os movimentos de defesa dos direitos humanos.
A Carta Internacional dos Direitos do Homem
Génese e aprovação da Carta
Na mesma altura da aprovação da DUDH, a Comissão dos Direitos Humanos foi solicitada pela Assembleia Geral para elaborar um projecto de pacto sobre direitos humanos e respectivas medidas de aplicação.
O trabalho da Comissão mais uma vez levou em linha de conta as propostas apresentadas pelos Governos e seguiu as recomendações da Assembleia Geral, nomeadamente a da elaboração de documentos separados para os direitos económicos, sociais e culturais e para os direitos civis e políticos, assim como a da inclusão de um artigo sobre o direito dos povos à sua autodeterminação.
Desse trabalho resultaram dois projectos, apresentados à Assembleia Geral em 1954:
o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais;
o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos.
A sua discussão na especialidade iniciou-se em 1955, mas só terminou em 1966. Juntamente com estes documentos foi também adoptado o Protocolo Facultativo Referente ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, através do qual se acrescentou força legal àquele Pacto, ao estabelecer uma estrutura internacional que acolhesse, investigasse e julgasse as participações individuais de violação dos direitos estabelecidos nesse pacto.
Naquela data, os três documentos foram adoptados pela Assembleia Geral, iniciando-se o processo de assinatura, ratificação e adesão dos Estados-membros, indispensável para a entrada em vigor de cada um deles, que se verificou nas seguintes datas:
PIDESC – 3 Janeiro 1976, após a ratificação do 35º Estado, adquirindo o estatuto de lei internacional;
PIDCP – 23 Março 1976, após a ratificação do 35 Estado, adquirindo o estatuto de lei internacional;
Protocolo Facultativo Referente ao PIDCP – 23 Março 1976, após a ratificação do 10ª Estado, adquirindo o estatuto de lei internacional.
Esta entrada em vigor dos Pactos obrigou legal e moralmente os Estados aderentes à promoção e protecção dos direitos e liberdades fundamentais definidos na DUDH. Representa, por isso, um passo mais além na criação de uma cultura universal dos direitos humanos, ao estipular as medidas concretas para a sua aplicação.
Em conjunto com a Declaração, os dois Pactos formam a Carta Internacional dos Direitos do Homem, a Magna Carta a partir da qual se foi construindo todo o aparelho do Direito Internacional em matéria de direitos humanos.
Promoção e Protecção dos Direitos Humanos
Meio Século de Promoção e Protecção
1945
Assinatura da Carta das Nações Unidas, em cujo artigo 1.º se menciona expressamente “promover e estimular o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”.
1946
Criação da Comissão dos Direitos Humanos, pelo Conselho Económico e Social das Nações Unidas (resolução 9). Na sua primeira sessão, em 1946, a Assembleia Geral das Nações Unidas (AG ONU) estudou um projecto de Declaração de Direitos e Liberdades Fundamentais que deveria servir de referência para aquela Comissão na redacção de uma Carta Internacional de Direitos.
Criação da Comissão sobre a Condição Feminina, pelo Conselho Económico e Social das Nações Unidas (resolução 11).
1947
Criação da Subcomissão da Luta contra as Medidas Discriminatórias e da Protecção das Minorias, pela Comissão dos Direitos Humanos.
1948
Adopção da Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, pela AG ONU.
A 10 de Dezembro, adopção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela AG ONU (resolução 217 A). Nesse mesmo dia, esta assembleia solicitou à Comissão de Direitos Humanos a preparação prioritária de um convénio preliminar sobre direitos humanos, assim como de medidas para a sua implementação.
1950
Adopção, pelo Conselho da Europa da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Criação do Comité para a Prevenção do Crime e Luta contra a Delinquência, pela AG ONU.
1951
Adopção pela ONU da Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados.
1952
A AG da ONU adopta a Convenção sobre os Direitos Políticos das Mulheres.
1953
No âmbito do estabelecido pela Convenção Europeia de Direitos Humanos, o Conselho da Europa funda a Comissão Europeia dos Direitos do Homem, com sede em Estrasburgo, que analisa as acusações feitas pelos Estados ou indivíduos. Os seus pareceres são examinados pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, também criado nesse ano.
1956
Adopção pela ONU da Convenção Suplementar relativa à Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura.
1957
Adopção pela AG ONU da Convenção sobre a Nacionalidade das Mulheres Casadas.
Adopção pela Conferência Geral da Organização Geral do Trabalho, da Convenção sobre a Abolição do Trabalho Forçado e da Convenção relativa às Populações Indígenas e Tribais.
1959
Adopção pela AG ONU da Declaração dos Direitos da Criança.
1960
Adopção pela AG ONU da Declaração sobre a Outorga de Independência aos Países e Povos Coloniais.
1963
Adopção pela AG ONU da Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
1965
Adopção pela AG ONU da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, que prevê a criação do Comité para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial.
1966 (16 Dezembro)
Adopção pela AG ONU do Pacto Internacional sobre Direitos Sociais e Económicos e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (resolução 2299 A); adopção do Primeiro Protocolo Facultativo referente ao Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, que criou mecanismos internacionais para fazer face às queixas individuais de violação dos direitos estabelecidos naquele convénio.
1967
Adopção pela AG ONU da Declaração sobre a Eliminação da Discriminação em Relação às Mulheres.
1968
Adopção pela Conferência Internacional dos Direitos Humanos da Proclamação de Teerão.
Adopção pela AD ONU da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade.
1969
Adopção da Convenção Americana relativa aos Direitos Humanos.
Adopção pela AG ONU da Declaração sobre o Progresso e o Desenvolvimento no Domínio Social.
1973
Adopção pela AG ONU da Convenção Internacional sobre a Eliminação e a Repressão do Crime de apartheid.
1975
Conferência de Helsínquia, na qual se tentou estabelecer um acordo de cooperação no respeitante a segurança, economia, ciência, tecnologia e direitos humanos. Esta conferência viria a originar a Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, fórum permanente para a comunicação de questões humanitárias e de direitos humanos. Esta estrutura internacional inspirou a criação de muitas organizações não-governamentais e de grupos de cidadãos empenhados na vigilância dos direitos humanos e na observância dos padrões estabelecidos pela ONU e Estados-membros.
Adopção pela AG ONU da Declaração dos Direitos das Pessoas Incapacitadas
1975
Adopção pela AG ONU da Declaração contra a Tortura e outras Formas de Crueldade.
1976
Os 2 Pactos são tornados efectivos, pela sua ratificação por um número suficiente de Estados-membros da ONU. É criado o Comité dos Direitos do Homem para controlar a aplicação do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e respectivo Protocolo Facultativo.
Em Portugal, a Constituição Portuguesa integra pela primeira vez a Declaração Universal dos Direitos Humanos nas sua normas relativas aos direitos fundamentais.
1978
Adopção pela Conferência Geral das ONU para a Educação, a Ciência e a Cultura da Declaração sobre a Raça e os Preconceitos Sociais.
1979
Adopção pela AG ONU do Código de Conduta para os Responsáveis pela Aplicação das Leis.
Adopção pela AG ONU da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação em Relação às Mulheres e criação do Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres.
1981
Adopção pela 19.ª Conferência da Organização de Unidade Africana da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos.
Adopção pela AG ONU da Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Baseadas em Religião ou Credo, após quase 20 anos de redacção.
1984
Adopção pela AG ONU da Declaração do Direitos dos Povos à Paz.
Adopção pela AG ONU da Convenção Contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que prevê a criação de um Comité contra a Tortura.
1985
Estabelecimento pelo Conselho Económico e Social da ONU do Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais para controlar a implementação do PIDESC.
Adopção pela AG ONU de:
Declaração dos Princípios Fundamentais de Justiça relativos às Vítimas da Criminalidade e às Vítimas de Abusos de Poder;
Convenção Internacional contra o Apartheid nos Desportos.
Adopção pelo 7.º Congresso das Nações Unidas para a prevenção do crime e tratamento dos delinquentes dos Princípios Fundamentais Relativos à Independência da Magistratura.
1986
Adopção pela AG ONU da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento.
1988
Após 40 anos de pressão por parte de organizações não-governamentais, Os Estados Unidos ratificam a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio.
1989
Adopção pela AG ONU da Convenção sobre os Direitos da Criança, que prevê a criação de um Comité dos Direitos da Criança.
Adopção pela AG ONU do Segundo Protocolo Adicional ao Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos com vista à Abolição da Pena de Morte.
1990
Adopção pela Cimeira Mundial Para a Criança da Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Protecção e o Desenvolvimento das Crianças e do Plano de Acção para a Aplicação da Declaração.
Adopção pela AG ONU:
Princípios Fundamentais Relativos ao Tratamento dos Detidos;
Princípios Directores das Nações Unidas para a Prevenção da Delinquência Juvenil;
Regras das Nações Unidas para a Protecção dos Menores Privados de Liberdade;
Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos Humanos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias.
Resolução de convocação de uma Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em1993.
1992
Adopção pelo Conselho de Segurança da ONU:
Resolução para a intervenção de uma Força de Protecção das Nações Unidas na ex-Jugoslávia;
Resolução de condenação da “limpeza étnica” na Bósnia-Herzegovínia;
Resolução exigindo o encerramento dos campos de detenção na Bósnia-Herzegovínia.
Adopção pela AG ONU:
Declaração sobre os Direitos de Pessoas pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas.
1993
Criação pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas do Tribunal Internacional (sediado em Haia) para julgar as pessoas presumidas responsáveis de violações graves do direito internacional humanitário cometidas no território da ex-Jugoslávia desde 1991.
Reúne-se em Viena a 2.ª Conferência mundial sobre os direitos humanos, que adopta a Declaração e Programa de Acção.
Criação pela AG ONU do posto de Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
1994
Adopção pelo Conselho de Segurança de uma resolução que estabelece uma Comissão de peritos encarregues de investigar as violações dos direitos humanos no Ruanda; uma outra resolução do mesmo ano estabelece um Tribunal Internacional para o Ruanda.
Adopção pela AG ONU da resolução que proclama o Decénio das Nações Unidas para a Educação no domínio dos Direitos Humanos (1994-2005)
1995
Conferência Mundial das Mulheres em Pequim, cuja Declaração afirma que “os direitos das mulheres são direitos humanos”, e cuja Plataforma de Acção inclui dezenas de referências a direitos humanos referentes às mulheres.
1998
50.º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
The Universal Declaration of Human Rights
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