quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Formação Cívica

Formação Cívica
Numa sociedade em constante mudança a Formação Cívica ganha uma importância cada ver maior na educação das crianças e dos adolescentes. Neste contexto, apresentamos um Dossier Temático sobre a Formação Cívica que aborda temas como a cooperação e os Direito Humanos
Introdução
As mudanças no sistema de ensino
A massificação do ensino e o a alargamento da escolaridade obrigatória transformaram a escola das elites numa escola em crise.
Desde a década de 80 do século XX que a sobrelotação dos espaços escolares, um deficiente sistema de formação de professores, uma administração e organização escolares que afastaram os estabelecimentos de ensino das comunidades e lhes dificultaram a autonomia são componentes não desprezíveis para a compreensão da da crise na Educação.
As mutações demográficas e tecnológicas foram acompanhadas por um estreitamento do papel das famílias na formação moral e cívica das crianças, exigindo-se cada vez mais da escola uma intervenção estruturada na área sócio-moral e no desenvolvimento pessoal e social das crianças e adolescentes.
A generalização à escala mundial da ideia de que um punhado de homens possui o poder para praticar genocídios e destruir o ambiente ecológico vem repor a actualidade de uma educação para a paz, para a defesa do ambiente e para a justiça.
Adaptado de Marques, Ramiro - Educação Cívica e Desenvolvimento Social e Pessoal, Lisboa, Texto Editora, 1998.

A importância da Escola
Deverá a Escola “ensinar a justiça”?

Porque devemos preferir a justiça à injustiça, o bem ao mal, a solidariedade à competição, o altruísmo ao egoísmo, o amor universal ao amor pelo grupo?

A área de Formação Cívica surge como resposta à necessidade de introduzir nos currículos das nossas escolas uma dimensão ética e cívica que prepare as crianças e jovens para o exercício da cidadania e estimule o seu desenvolvimento pessoal e social.
Porém, a introdução desta área não basta para potenciar o desenvolvimento pessoal e social dos alunos. Ela só será eficaz se for acompanhada por mudanças na estrutura e organização dos estabelecimentos de ensino.
A área de Formação Cívica deverá integrar um conjunto de conteúdos/componentes e desenvolver nos alunos um conjunto de competências. As componentes incluem a educação do consumidor, a educação para a saúde, a educação para a prevenção de acidentes, a educação para a defesa do ambiente, a educação para a participação nas instituições e a dimensão dos valores morais.
Àqueles que não querem que a Escola se preocupe com a ética devemos perguntar: qual é o campo da ética?
A ética ensina-nos como devemos viver com nós próprios, com a natureza e com o cosmos. Não é esse o papel da Escola? Se a Escola não servir para nos ensinar a viver com dignidade e a lutar por uma vida digna para todos, para que serve então?
A moral não é mais do que uma reflexão profunda e racional sobre nós próprios, sobre os outros e sobre o sentido da vida. Uma reflexão profunda e racional exige que tenhamos a capacidade de “calçar sapatos que não são os nossos”, “entrar na mente dos outros” e “tomar a perspectiva dos outros”.
Deverá a Escola alhear-se do ensino destas competências? Se a Escola se continuar a alhear dos ideais que nos tornaram mais humanos, onde é que os alunos, futuros homens e mulheres, vão aprender a raciocinar sobre os princípios éticos que são expressão da nossa natureza comum e que nos unem mais do que as nossas parecenças físicas, a nossa língua e os nossos costumes?
Não é certamente na televisão, nos gangs, no serviço militar ou no emprego que eles vão aprender a preferir a solidariedade à competição, o bem-estar dos outros aos interesses meramente egoístas e a verdade à mentira.
A guerra, o ódio, o fanatismo, a opressão e a mentira só poderão ser debelados com homens e mulheres habituados a raciocinar sobre os valores morais que unem a espécie humana.
O raciocínio moral está presente nas mais pequenas coisas e pode surgir dos mais pequenos incidentes ocorridos na sala de aula, na escola, na comunidade ou no mundo.
Esta tradição do pensamento ético, do qual todos nós fazemos parte, está à disposição nos livros e está dentro de nós. Cabe à Escola ensinar a usar e a gostar de usar esse potencial de justiça e de bondade que está dentro de cada um de nós e que, por vezes, não se ilumina porque nos habituámos a prescindir da razão e do pensamento.
É tão importante que a Escola nos ensine a escolher bem, a pensar bem, a usar a razão, como nos ensine a ler, a escrever e a contar. Prescindir do exercício destas atribuições seria um erro que muito nos iria custar.
Num período de reforma do sistema de ensino, convém pensar um pouco neste assunto. Raciocinar, dialogar, discutir e usar a razão. Não é esse o objectivo da Educação?
Adaptado de Marques, Ramiro - Educação Cívica e Desenvolvimento Social e Pessoal, Lisboa, Texto Editora, 1998.

“Cidadania e segurança”
Fruto de um plano nacional destinado ao combate de situações de insegurança e violência é de assinalar, no âmbito da Formação Cívica, a criação de um novo módulo intitulado “Cidadania e segurança”.

A implementação obrigatória deste módulo inicia-se em 2007/2008, no 5.º ano de escolaridade. Esta iniciativa pretende aprofundar os valores de cidadania numa perspectiva de segurança, assim como prevenir os comportamento de risco, as incivilidades e a violência, tendo em conta a actual complexidade social das escolas e dos contextos de vida dos jovens.

Aumentar a capacidade para a resolução de situações de conflito de forma não violenta e promover competências para agir adequadamente face à agressão ou à ameaça são também objectivos deste novo módulo.

Com a escolha os temas a abordar - “ Viver com os outros”, “As situações de conflito e a violência” e “Comportamentos específicos de segurança” - , de carácter transversal e interinstitucional, pretende-se abrir caminho a uma colaboração activa com outros serviços da comunidade preparados para a sua abordagem, como as autarquias, a PSP, a Guarda Nacional Republicana, ou os Bombeiros.

O “Desenvolvimento Pessoal e Social”

“Clarificação de Valores”
Destacam-se três abordagens referentes ao “Desenvolvimento Pessoal e Social”: a Clarificação de Valores, a Educação do Carácter e o Programa Cognitivo-Desenvolvimentista.

O programa de "Clarificação de Valores" foi criado nos anos 60, reflectindo muitos sentimentos e pontos de vista dessa época.
Fundamentalmente, os autores deste programa defendem o relativismo e a neutralidade da Escola, dispensando uma hierarquia de valores e recusando a existência de valores universais.
As crianças deverão ser livres para escolher os seus próprios valores, sem serem colocadas perante uma hierarquia de valores que ninguém sabe verdadeiramente se existe. Os professores deverão criar um ambiente propício ao exercício dessa livre escolha, ajudando os alunos a clarificarem as suas ideias e a melhorarem a sua auto-estima.
O professor não julga, devendo, por isso, abster-se de promover uns valores em prejuízo de outros.
A abordagem “Clarificação de Valores” faz uso de várias técnicas de ensino de fácil utilização.

•Uma das técnicas utilizadas é comum ao “programa cognitivo-desenvolvimentista” e consiste na discussão pública de questões de natureza ética. O professor evita o uso de expressões do tipo “certo”, “errado”, “bom” e “mau”.
•Outra técnica é a criação, pelos aluno, de histórias escritas sobre situações e personagens envolvidos em roubos, falsidades, violência, etc. As crianças deverão registar as suas posições e argumentos face a essas situações. Mais tarde o professor poderá ajudar o aluno a expressar e clarificar os valores expressos nos comentários escritos.
•Uma terceira técnica é a criação de diários, onde os alunos expressem de forma livre as suas ideias e sentimentos face ao quotidiano da escola.
•Uma quarta técnica inclui a realização de entrevistas aos pais e outros membros da comunidade, nos quais as pessoas são confrontadas com problemas contemporâneos que suscitam discordância ética.
Esta abordagem coloca alguns problemas sérios, pois, ainda que os professores se assumam como neutrais, a verdade é que agem diariamente como modelos.
Adaptado de Marques, Ramiro - Educação Cívica e Desenvolvimento Social e Pessoal, Lisboa, Texto Editora, 1998.
“Educação do Carácter"


Contrariamente à abordagem anterior, esta assume uma posição endoutrinante, preocupada, fundamentalmente, em melhorar o carácter e o comportamento dos alunos.
O aperfeiçoamento da conduta moral das crianças e dos jovens é obtido através de um conjunto de técnicas simples, assentes quase todas no reforço da autoridade do professor.
Para Edward Wynne e outros defensores desta abordagem, um clima moral adequado significa a máxima autoridade nas mãos dos professores, o máximo de rituais e normas de comportamento, a ausência de participação dos alunos na tomada de decisões e uma modelação da conduta moral através das recompensas e dos castigos.
O mínimo que podemos dizer desta argumentação é que peca pela fraqueza e pela ausência de documentação científica. A investigação realizada não permite concluir que a abordagem endoutrinante seja mais eficaz que as outras na criação de bons hábitos de conduta moral.
É errada esta oposição entre hábitos de conduta moral e raciocínio moral pois demonstra-se que ambas costumam andar associadas, apoiando-se mutuamente durante o curso do desenvolvimento da criança.
Relativamente à questão da participação, John Dewey invoca a expressão “learning by doing”. Sem a participação na tomada de decisões e sem a participação em discussões públicas, dificilmente os alunos poderão adquirir as competências parlamentares necessárias a uma intervenção democrática na vida pública.
Se os alunos não tiverem oportunidade para confrontarem os seus pontos de vista e valores e para fazerem escolhas morais, não serão capazes de revelar autonomia moral na ausência da autoridade, visto que a experiência social da criança determina, em muito, o curso do seu desenvolvimento.
Esta experiência “é importante não apenas porque expõe as crianças a novas ideias mas também porque envolve as crianças em relações que conduzem à compreensão de regras e procedimentos essenciais”.
Adaptado de Marques, Ramiro - Educação Cívica e Desenvolvimento Social e Pessoal, Lisboa, Texto Editora, 1998.

“Programa Cognitivo-Desenvolvimentista”

O aspecto essencial desta abordagem é a transformação da Escola num local onde os alunos participem na tomada de decisões. O acentuar da democracia escolar reflecte a crença na importância de os estudantes vivenciarem a democracia para a poderem compreender e apreciar.

O envolvimento activo numa sociedade democrática é o melhor meio para respeitar os direitos dos outros. O clima moral democrático da escola exige um conjunto de estratégias, a seguir indicadas:

•Discussão de dilemas morais, hipotéticos e reais na sala de aula.
•Leitura e discussão de histórias e livros sobre questões éticas.
•Participação na tomada de decisões na sala de aula e na Escola.
•Realização de reuniões para a aprovação de regras e normas de comportamento onde os alunos têm direito de voto.
•Confronto da argumentação dos alunos com a argumentação do professor sobre problemas de natureza ética.
O objectivo destas estratégias é duplo, destinando-se a: desenvolver o raciocínio moral dos alunos; estimular o gosto pelo assumir das responsabilidades.
Assume-se que as crianças apreciarão melhor o respeito pelas regras quando participam na sua aprovação. A criação e aprovação colectiva das regras criam um clima de lealdade à comunidade, no qual os comportamentos desviantes, do tipo “roubo” e “vandalismo” são considerados violações às regras da comunidade.
Esta abordagem dedica particular atenção a uma técnica denominada “plus one matching”, considerada essencial para promover o desenvolvimento do raciocínio moral dos alunos.
Durante os debates sobre valores, o professor deverá introduzir uma perspectiva alternativa, derivada de um juízo moral mais elevado do que o do aluno. Para obter bons resultados convém que o juízo moral do professor se manifeste apenas num nível mais elevado do que o do aluno. Caso contrário, não haverá espaço para o confronto de opiniões e argumentos e o aluno ficará sem a possibilidade de acesso a um raciocínio ligeiramente mais elevado que o seu.
De uma forma geral, esta técnica cria um incentivo para o aluno reexaminar os seus próprios argumentos e valores, e leva-o a confrontar-se com uma forma mais adequada de emitir juízos morais.
Outra técnica é o envolvimento dos alunos na discussão de dilemas introduzidos pelo professor. Os alunos discutem uns com os outros a melhor solução para um conflito que envolva questões de justiça e direitos humanos. O papel do professor é iniciar a discussão e nela promover a participação de todos os alunos.
Aqui, esta abordagem diverge da “Clarificação de Valores”, uma vez que o professor dirige os alunos, mostra-lhes que há uma hierarquia de valores e formas de raciocinar mais apropriadas do que outras.
Em complemento destas técnicas de ensino, o professor faz uso de técnicas de consulta psicológica que ajudem a promover o desenvolvimento psicológico do aluno.
Adaptado de Marques, Ramiro - Educação Cívica e Desenvolvimento Social e Pessoal, Lisboa, Texto Editora, 1998.

Análises das diferentes abordagens

Lockwood (1978) procedeu à revisão dos estudos sobre os efeitos destas abordagens, chegando a resultados muito interessantes.

A abordagem “Clarificação dos Valores” poucos efeitos produz no ajustamento pessoal e social das crianças. Também se registam poucos efeitos no comportamento moral dos alunos, embora os comportamentos dos alunos melhorem durante as sessões de trabalho dedicadas à educação para os valores.
A melhoria do comportamento dos alunos não se generaliza, no entanto, a outras situações educativas. Não se regista também qualquer diminuição no uso de drogas.
Lockwood (1978) concluiu que o “Programa Cognitivo-Desenvolvimentista” produz alguns efeitos duradouros e significativos no raciocínio moral dos alunos, embora não se saiba até que ponto as melhorias no raciocínio moral implicam um melhor comportamento moral.
Damon (1988) considera também que o “Programa Cognitivo-Desenvolvimentista” produz efeitos maiores a longo prazo mas sugere que se devam incorporara algumas técnicas consideradas eficazes, provenientes da abordagem “Clarificação dos Valores” e da abordagem “Educação do Carácter”.
Damon (1988) sugere que as escolas devem procurar a presença de pessoas consideradas moralmente educadas que poderão partilhar as experiências de vida com os alunos.
Para além da presença dessas pessoas, seria de aconselhar o uso de histórias e livros que levantem problemas de natureza ética ou que incluam personagens de relevo na luta pela justiça, pelos direitos humanos e pela democracia.
Adaptado de Marques, Ramiro - Educação Cívica e Desenvolvimento Social e Pessoal, Lisboa, Texto Editora, 1998.

Os papéis do Professor
A interacção com os alunos

A educação para os valores tem o professor como interveniente principal, seja qual for a sua disciplina.

O professor, ao interagir com as crianças e os adolescentes, assume-se como um adulto significativo que educa através do exemplo, da sua maneira de ser e de estar, da forma como comunica e como se relaciona, da forma como organiza a sala de aula e concretiza o processo de ensino/aprendizagem.
Convém que o professor saiba o que pode fazer e como pode fazer para promover adequadamente a formação pessoal e social dos alunos.
Deixar tal tarefa ao acaso é entregar-se aos caprichos de um currículo implícito que, muitas vezes, ignora os princípios éticos e os valores universais. Assim, o professor deverá desenvolver capacidades que o habilitem a:

•criar e gerir conflitos cognitivos;
•estimular a tomada de papéis;
•criar uma atmosfera democrática na sala e na escola;
•moderar seminários de discussão;
•fazer uso do interrogatório socrático.
Tomar em conta os pontos de vista e os argumentos dos outros exige o diálogo e a capacidade para “calçar sapatos que não são os seus”.
É importante que o professor desenvolva esta capacidade, pois só assim poderá levar o aluno a respeitar os sentimentos e os valores alheios, no pressuposto de que o respeito pelos outros é uma condição básica para a vida em sociedade.
Há várias estratégias que o professor pode utilizar para criar uma atmosfera democrática na sala de aula:
•Planear com antecedência os arranjos físicos e adequar esses arranjos às situações de aprendizagem.
•Organizar grupos eficazes, ou seja, pequenos grupos quando se trata de trabalhos de projecto e grupos médios quando se trata de seminários de discussão.
•Reforçar os comportamentos que signifiquem apreço pelo respeito das diferenças.
•Desenvolver a comunicação, promovendo competências relacionadas com o ouvir, o falar em público, o esperar pela vez e o argumentar com rigor.
•Encorajar os alunos a tomarem decisões.
Estimular os alunos a procederem a votações.
Quanto à criação de espaços para seminários de discussão, convém ter presentes duas características dos seminários:
- são conversas conduzidas de uma forma ordeira pelo professor, que actua como moderador na discussão de textos, de ideias ou de dilemas;
- são discussões em torno de questões abertas, colocadas pelo moderador ou por um dos participantes.
Adler (1989) acentua três tarefas do moderador:
- fazer uma série de perguntas que direccionem a discussão;
- examinar as respostas e os argumentos, tentando compreender as razões subjacentes;
- envolver os participantes no diálogo quando há conflitos de pontos de vista.
O moderador deverá tomar uma posição activa, estimulando os alunos a dizerem o que vai nas suas mentes, reformulando a mesma questão de várias formas, esclarecendo o significado de alguns conceitos e fazendo com que as questões sejam compreendidas.
Adaptado de Marques, Ramiro - Educação Cívica e Desenvolvimento Social e Pessoal, Lisboa, Texto Editora, 1998.

Estratégias para “ensinar valores”
Ensinar sobre coragem
Apresenta-se um conjunto de estratégias para ensinar valores que podem ser usadas em vários cenários da Escola: no espaço da sala de aula, em clubes ou em associações.

São acentuadas as estratégias mais adequadas para o ensino sobre a coragem, o ensino da cooperação e o ensino dos direitos humanos.
Neste contexto, o papel do professor deverá ser, sobretudo, o de moderador.
Por exemplo, quando se realizam discussões e seminários, o professor deverá coordenar essas sessões de trabalho, aconselhar as leituras prévias, identificar as questões para debate e estimular a discussão.
Por outro lado, na abordagem de projectos, o professor deverá actuar como dinamizador de situações de aprendizagem, ajudando os alunos a identificarem problemas, levantarem hipóteses, seleccionarem a documentação e chegarem às conclusões.
Em qualquer dos casos, o professor é um estimulador do desenvolvimento psicológico do aluno, devendo conhecer competências de escuta activa, assumindo o papel de um “outro significativo”, capaz de ouvir e de aconselhar.
“Tornamo-nos corajosos fazendo actos corajosos”, escreveu Aritóteles (Nicomachean Ethics, Oxford University Press). De acordo com aquele filósofo grego, há determinados traços de carácter, tais como certos vícios e virtudes, que são progressivamente fixados pelo hábito.
A perspectiva aristotélica da Educação Cívica colide, em algumas situações, com a perspectiva desenvolvimentalista, mas não deverá ser ignorada pelo professor.
Na verdade, o contacto com bons exemplos morais, a interacção com pessoas moralmente educadas e o hábito desempenham um papel não negligenciável no desenvolvimento do carácter.
Steven Tigner (1982) preconiza o uso combinatório do hábito, do contacto com bons exemplos morais e da interacção com pessoas moralmente educadas como a melhor forma de educação do carácter. A coragem é contagiosa, afirma o citado autor, acrescentado que a coragem de um líder pode tornar um exército corajoso.
Ajudar os outros a combaterem os seus próprios medos pode ser uma boa estratégia para uma pessoa se tornar corajosa.
As pessoas que desempenharam tarefas de responsabilidade social durante a Segunda Guerra Mundial experimentaram ganhos positivos numa escala de medição de coragem.
Podemos inferir que uma boa forma de ensinar conceitos do tipo “coragem”, “solidariedade”, “honestidade”, é envolver os alunos em tarefas de responsabilidade social onde tenham de manifestar apreço por tais conceitos.
Um exemplo de tais tarefas poderá ser o envolvimento dos alunos na coordenação de clubes escolares, associações de estudantes, grupos cívicos, gestão escolar e acção reivindicativa na defesa de interesses comunitários.
Quadro dos Clubes Escolares com Incidência na Educação Pessoal

Clubes / Nomes Clubes Cívicos Clubes Científicos Clubes Científicos Clubes Culturais
... ... ... ... ...

Qual a utilidade deste quadro? Como usá-lo? Este quadro pode ajudar a clarificar o envolvimento dos alunos de uma turma nos diversos clubes escolares.
O professor responsável deverá escrever os nomes dos alunos da turma na primeira coluna e colocar um símbolo nas colunas seguintes, identificando o clube ou os clubes a que pertence cada um dos alunos.
Adaptado de Marques, Ramiro - Educação Cívica e Desenvolvimento Social e Pessoal, Lisboa, Texto Editora, 1998.

Ensinar a cooperação

A cooperação, como, aliás, todos os restantes valores democráticos, não pode ser objecto de um ensino directo, através de lições de moral ou da leitura de textos.
Tais métodos, sendo úteis, são insuficientes.
O cerne da questão reside no tipo de ambiente educativo e a sua adequação à sala de aula e à escola. O ambiente educativo promove a participação na tomada de decisões? Incentiva o trabalho de grupo e a cooperação para alcançar objectivos comuns? Estimula a solidariedade e a preocupação pelo bem-estar da comunidade? Proporciona oportunidades para os alunos se envolverem em projectos colectivos de gestão dos espaços escolares?
Pode ensinar-se a cooperação através da criação de pequenas comunidades justas à escala da sala de aula, com os seus órgãos de decisão próprios.
Entre esses órgãos, deverá haver um lugar de destaque para as assembleias de turma, coordenadas e moderadas por grupos de alunos. A criação de comissões de disciplina e de justiça são outras formas importantes e eficazes na construção de um ambiente propício à cooperação.
A assembleia de turma deverá ser convocada com uma periodicidade quinzenal ou mensal e nela se fará a discussão e a aprovação das regras e das normas que regulam a turma.
Será um fórum democrático onde alunos e professor discutem as preocupações que afectam o bem-estar da comunidade. Nessas assembleias, os alunos aprenderão um conjunto de competências parlamentares necessárias ao exercício da cidadania, tais como:

•1) dirigir reuniões;
•2) redigir actas;
•3) tomar a palavra em público;
•4) defender pontos de vista;
•5) fazer uma agenda de trabalhos.
Para além das competências parlamentares, os alunos aprendem a prezar a conjugação de esforços e o trabalho de grupo na consecução de metas comuns. Trata-se de um processo lento de aprendizagem de valores, aprendizagem que é realizada em simultâneo com o desenvolvimento do raciocínio moral.
Nas assembleias de turma, os alunos aprendem a negociar, a chegar a consensos, a mudar de opinião perante argumentos mais rigorosos e a respeitar as ideias dos outros.
A cooperação não nasce do vazio. Cimenta-se num processo deste tipo e a escola necessita de criar as oportunidades e os ambientes educativos capazes de desenvolverem nos alunos essas competências básicas.
Um outro exemplo de organização da escola para promover a cooperação é o envolvimento dos alunos em clubes cívicos. Existem, na sociedade, várias associações juvenis de carácter cívico, com potencialidades educativas neste domínio. Entre essas associações, os escuteiros ocupam um lugar de destaque. A cooperação da escola com as actividades dos escuteiros é um bom exemplo do que preconizamos.
A própria escola pode criar e apoiar a criação de organismos juvenis de apoio comunitário. Tais organismos podem exercer uma acção valiosa nas visitas a doentes e a pessoas idosas, constituindo uma forma interessante de educação pessoal e social através da experiência, do “learning by doing” e das vivências pessoais.
A cooperação, tal como os outros valores democráticos, aprende-se criando oportunidades para o seu exercício.
Adaptado de Marques, Ramiro - Educação Cívica e Desenvolvimento Social e Pessoal, Lisboa, Texto Editora, 1998.

Ensinar os Direitos Humanos
Não é fácil o ensino dos Direitos Humanos. Tal ensino requer grandes conhecimentos históricos, jurídicos, políticos, filosóficos e sociológicos, bem como uma elevada competência pedagógica. Há várias concepções dos Direitos Humanos e essa visão pluralista deve estar presente na sala de aula. Uma tarefa difícil mas necessária.
Jorge Miranda (1988) definiu correctamente a natureza do problema. Os direitos fundamentais do Homem têm que ver com os próprios fundamentos da pessoa, com os fundamentos éticos da comunidade, com a razão de ser de qualquer ordem jurídica.
Entra-se num terreno que está em contacto directo e imediato com as grandes divergências filosóficas e ideológicas do nosso tempo.
Estudar os direitos do Homem implica também tomar contacto com essa diversidade de filosofias, de fundamentações, de ideologias, de crenças a respeito do Homem, da sociedade e do Homem perante a sociedade e o Estado.
É necessário ensinar a respeitar os direitos do Homem, mas é necessário - justamente - numa sociedade democrática e pluralista, que esse ensino não seja monista, que, bem pelo contrário, seja pluralista, totalmente aberto a todas as contribuições (Miranda, 1988, 29).
Tratando-se de um ensino próximo da Educação Cívica, deve-se ter o cuidado de não cair na propaganda, nem converter-se em fonte de divisão e de confronto político.
Como ensinar os Direitos Humanos sem endoutrinar os alunos?
Jorge Miranda (1988) sugere que as dificuldades poderão ser vencidas com bons professores; não poderão ser vencidas, por melhores que sejam as intenções, por melhores que sejam os programas e as orientações, se os professores não forem bem preparados, bem motivados e bem valorizados na sua carreira, se os professores não assumirem a sua vocação docente e se, no exercício da sua liberdade de ensinar, não respeitarem a liberdade de aprender dos alunos. (Miranda, 1988, 30).
O essencial é fazer do ensino dos Direitos Humanos um espaço de liberdade e de criatividade, usando uma metodologia baseada no inquérito científico, em trabalhos de projecto e em seminários de discussão.
Os professores têm ao seu dispor uma enorme lista de documentos aprovados no seio ou sob os auspícios da Organização das Nações Unidas que tratam directamente do respeito pelos Direitos Humanos. A leitura e a discussão desses textos deve constituir a preocupação fundamental do professor.
O documento que deverá servir de guia e programa no ensino dos Direitos Humanos é a Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada em 1948 em S. Francisco, sob os auspícios da ONU.
A Declaração Universal originou ou incentivou a aprovação de mais documentos essenciais para a defesa de valores universais. Eis alguns desses documentos, aprovados no seio ou sob os auspícios da ONU:
- Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, aprovada em 1948.
- Convenção para a Repressão do Tráfico de Seres Humanos e da Exploração da Prostituição, de 1949.
- Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, de 1951.
- Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, de 1952.
- Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas, de 1954.
- Convenção Suplementar relativa à Abolição da Escravatura e do Tráfico de Escravos, de 1956.
- Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada, de 1957, - Declaração dos Direitos da Criança, de 1959.
- Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965.
- Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade, de 1968.
- Declaração dos Direitos do Deficiente Mental, de 1971.
- Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, de 1979.
- Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e de Discriminação Baseadas na Religião ou na Convicção, de 1981.
- Convenção Contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984.
O ensino dos Direitos Humanos deve englobar duas etapas fundamentais:
1) a leitura e discussão destes documentos;
2) a discussão de situações que correspondam a violações dos Direitos
Humanos, tanto em Portugal como no estrangeiro.
A primeira etapa pressupõe a divulgação dos documentos. A segunda etapa exige o uso frequente de notícias e reportagens de jornais e revistas.
O vídeo tem enormes potencialidades para estimular a discussão em torno dos Direitos Humanos.
Há que evitar, no entanto, uma metodologia centrada no professor. Num ensino deste tipo, o professor desempenha papéis de moderador e facilitador, evitando intervir em demasia, dando oportunidade aos alunos para discutirem entre si e para concretizarem os seus projectos de uma forma o mais possível autónoma.
No entanto, todas as medidas indicadas só serão eficazes se forem acompanhadas por mudanças na estrutura e organização dos estabelecimentos de ensino. Entre estas mudanças é justo destacar:
1) o redimensionamento das escolas, de forma a que não haja estabelecimentos de ensino com mais de 1000 alunos;
2) a participação dos alunos, dos professores e dos pais na gestão das escolas;
3) a criação de espaços de convívio geridos pelos alunos;
4) a criação de espaços e tempos para actividades culturais e cívicas;
5) a criação de condições de estabilidades dos professores;
6) a criação de órgãos para o acompanhamento pessoal dos alunos;
7) a diminuição do número de turmas por professor;
8) o acompanhamento das turmas pelos mesmos professores durante todo o ciclo de estudos.
É ainda importante salientar a preparação científica e pedagógica dos professores, encarando, neste âmbito, a formação de uma forma continuada, consistente e estruturada.
Por último, é também essencial fomentar a criação de espaços curriculares que, sem constituírem verdadeiras disciplinas, poderão ajudar a solidificar e integrar e os saberes e os saber-fazer dos alunos.
Adaptado de Marques, Ramiro - Educação Cívica e Desenvolvimento Social e Pessoal, Lisboa, Texto Editora, 1998.

Bibliografia

Alberoni, F.; Veca, S. - O Altruísmo e a Moral, Lisboa, Bertrand, 1988.
Boyd, D. - Introduction: Lawrence Kohlberg as Mentor in Journal of Moral Education, Vol. 17, n.º 3, Outubro de 1988, 167-72.
Damon, W. - The Moral Child - Nurturing Children’s Natural Moral Growth, New York, Free Press, 1988.
Kagan, J.; Bloom, S. - The Emergence of Morality, Chicago, Chicago University Press, 1988.
Kurtines, W.; Gewirtz, J. - Moral Development through Social Interaction, New York, Wiley.
Marques, Ramiro - Educação Cívica e Desenvolvimento Social e Pessoal, Lisboa, Texto Editora, 1998.
Wynne, E., A. - The Great Tradition in Education: Transmiting Moral Values, in Educational Leadership, 43, 1986, 4-9.

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